sábado, 30 de agosto de 2008

Das pequenas e das grandes coisas

Assisti esses dias à conversa de uma moça com o namorado sobre alguma coisa pequena que ela não gostava nele. Quando percebi o tema da conversa, ela já havia dito o que era, e eu não peguei. Mas não é essencial. O namorado dizia que não se importava com o gosto dela para isso, pois era uma coisa tão pequena, e que ela só teria que aceitar e esquecer, deixar pra lá, pois essas coisas pequenas não levam a nada. Interessei-me pelo teor da conversa e não resisti escrever sobre isso.

Ao longo das minhas vivências tenho percebido que, na maioria das vezes, o acúmulo das coisas pequenas é o que mais contribui para iniciar um conflito, uma discussão e até mesmo uma a separação, seja de amigos, casais, sócios. Só as valorizamos, damos a sua real importância, quando já se tornaram grandes e, só aí, é que percebemos o quanto elas cresceram.

Isso me leva a fazer uma comparação com as nossas vidas e, principalmente, inferir com o que acontece nas relações, seja de que tipo for. Uma coisa grande tem vulto, presença, incomoda. Fica ali até que a removamos; que demos um jeito, seja qual for. Talvez, com uma boa solução para um e prejuízo para o outro ou vice-versa, mas tem que ser removida se não, a vida empaca, a conversa trava e o impasse paralisa tudo.

Já,as coisas pequenas vão sendo deixadas de lado, acumulando-se. Ou melhor, amontoando-se. Lembro-me de uma cruz plantada numa pequena elevação no caminho de Santiago de Compostela que, pela tradição, cada peregrino que passa deve lançar uma pedra aos seus pés. Há pouco tempo vi uma foto dessa cruz e já há uma montanha se formando em torno dela, chegando à estrada e, com o perigo das pedras deslizarem.

Um pequeno problema – ou uma “coisa pequena” – na maioria das vezes é deixado pra lá, assim como costumamos fazer com eletrodomésticos que dão problemas e guardamos na dispensa (“amanhã cedo vou levar para consertar...”). Um vaso de estimação que racha (“quem me deu esse não pode dar mais!”) e esperamos colar um dia. Uma cadeira de praia que rasga o pano (“mas é tão boa, e não se fazem mais como essa...”).

Com o tempo, esquecemos até que eles existem, pois são coisas pequenas, não vão nos incomodar. Um belo dia, precisamos da tal “coisa” e aí verificamos que a batedeira ainda está com defeito e não vai dar para fazer a massa do bolo, que não dispomos do vaso para as flores recebidas e que temos que levar uma toalha para sentar na praia.

Qual a solução? Gastar dinheiro em comprar a massa pronta ou pedir a batedeira emprestada à chata da vizinha. E, se vai para o conserto, já não existem mais as peças. A “coisa pequena” virou uma “coisa grande”. E só vamos resolver no dia em que o quartinho da empregada estiver lotado até teto de “coisas pequenas” e tivermos que desocupá-lo ou para mudar, para limpar, buscar algo que achamos estar ali, ou por qualquer outro motivo “grande”.

Assim são as relações. Se acumulamos coisas julgadas pequenas como, aborrecimentos, discussões que não se encerram, gestos não compreendidos, palavras dúbias e tantas outras que consideramos sem importância, “a montanha de pedras vai crescendo em torno da cruz”, até começar a atrapalhar o caminhar da estrada da relação.

Ahhh! Mas se for uma “coisa grande”, como, por exemplo, uma suspeita de traição, a cor do carro que vai ser trocado, a nova cortina da sala, a agressão verbal na segunda-feira de manhã, o esquecimento de uma data importante ou um compromisso inadiável, queremos resolver de uma vez. É sim ou não! Para isso, nós logo damos uma solução. Seja qual for. Não se deixa para depois.

Chego à seguinte conclusão: tudo que seja pequeno ou grande tem o mesmo tamanho. A sua dimensão exata só é percebida pelos seus efeitos, se as deixamos crescer ou se as matamos na origem.