sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Missão quase cumprida_A volta de Chico Xavier ao plano terrestre

Missão quase cumprida_
A volta de Chico Xavier ao plano terrestre
Jopin Pereira

Na chegada de Chico Xavier ao outro lado, esperava ele ter iniciado um novo caminho para dar seguimento à sua vereda pela eternidade, após cumprir a sua missão terrestre.

Recebido pelo Porteiro do Céu, foi logo reconhecido, ao longe, por sua peculiar aparência, que, num primeiro momento, ainda apresentava resquícios terrestres. Mesmo assim, previamente identificado por razões óbvias, teve que cumprir o moroso ritual de registro da chegada, pois, dessa praxe celeste não havia dispensa.


Consultando o imenso arquivo onde se faziam as atualizações das entradas e saídas, o guardião teve certa dificuldade em localizar o recém-chegado. Apesar de já tê-lo reconhecido espiritualmente, havia a necessidade daquela liturgia burocrática.

Literalmente, esquadrinhava o Guardião na extensa relação de Franciscos, a presença do seu nome, folheando os tomos do cartório da vida universal.

Chico, ali anotado sob o nome de batismo de Francisco de Paula Cândido, como sempre, pacientemente aguardava a conclusão da tarefa. Pensava nas dificuldades do funcionário em encontrá-lo num mar de Chicos. O Meirinho Celeste estava confuso, pois o nosso Chico havia adotado o nome de seu pai, Francisco Cândido Xavier, quando começou a publicar os seus livros.

Enquanto isso, lembrava-se de ter convivido com tantos Chicos na Terra. Para passar o tempo, foi listando-os mentalmente e se viu perdido entre tantos colegas que ainda andavam por lá e outros já por essas bandas. O Anísio do humor, o Buarque das canções, o Bento dos quadrinhos, o César do cantar, o Mendes da ecologia, o Velho do rio São Francisco, e outros disfarçados, por serem ou terem nomes estrangeiros, mas que não deixavam de ser Chicos. Ah, não, esse legado não perderiam, mesmo disfarçados de Francis! O Bacon da filosofia, o Albert Sinatra do canto, o Paulo do jornalismo, o Hime da música, uma Connie, a cantora, e até o São Chico, em alguma língua assim nomeado de Saint Francis of Assisi. E chegou finalmente ao seu, o Xavier, lá no final da lista, exatamente no momento em que o assistente dava um ‘ufaaaa’ de relaxamento ao descobri-lo entre a turba, pois o que valia ali era o nome de batismo.

Chico estranhou o olhar que o servidor celeste lhe direcionou, um misto de surpresa, ironia e até compaixão. Fixou o olhar em Chico, ansioso por dizer algo, mas resfolegou ─ se podemos dizer isso de um ser etéreo ─ e pediu-lhe que aguardasse um instante, pois deveria, naquela situação, fazer uma consulta ao Superior. Chico quedou-se sobremaneira intrigado com tal procedimento, porém não era a sua seara e não lhe cabiam maiores especulações. Mas o que teria sido encontrado nas anotações?

Num átimo, em que Chico não sabia como perceber naquelas paragens, voltou o servidor, meio sem jeito, mas logo retomou a oficial postura que o cargo lhe exigia, para comunicar a suprema decisão. Solene, mas denotando certo constrangimento, transmitiu-lhe (lá não se fala, diz-se pelo pensamento) que o Superior, após fazer uma avaliação da sua atuação no périplo terrestre, concluiu que não estavam completas as condições para entrar no Paraíso.

Como Chico pensava já ter cumprido o seu rol de labores, ficou pasmo ao saber que deveria retornar à Terra para cumprir o que lhe faltou. E mais surpreendido ainda, pelas razões do retorno.

O assistente repetiu ipsis litteris o que o Superior lhe havia comunicado, para que não houvesse interpretação diversa do original. Ordenou-lhe o Superior: ─ Vá, e diga a Chico, o Xavier, que Eu, parafraseando o verso de um Carlos, o Drummond, recitando “Vai Carlos, vai ser gauche na vida!”, determino que ele ainda deva ser Zé na vida, antes de entrar no Céu. Ser Chico foi apenas metade da tarefa.

O que cabia a Chico refutar? Nada! Ordens do Superior são, como se dizia no plano terrestre acerca das decisões dos tribunais, irrefutáveis: “Não se discute, se cumpre!”.

Assim, toma o nosso Chico o caminho de volta a Terra, elucubrando e já se imaginando um Zé, mas ainda não se reconhecendo na nova nomeação. “Eu, voltar para ser um José? Bem, poderia ser pior. Pior? É, José Francisco ou vice-versa!” E assim segue o obediente homem o seu caminho de retorno, murmurando um leve protesto: “Não cometi nenhum pecado que justifique tal pena.”

E, assim, Chico confirma que não basta na vida ser Francisco, ao lembrar-se do ditado: “Madeira que bate em Chico também bate em Francisco. Até nele, o Xavier, mesmo com todo o seu currículo espiritual”.

E lá ficou o Porteiro do Céu esperando pelo próximo da fila, a refletir: “Ai de tantos Chicos!”.


Ilustração: Charge original criada pelo cartunista Toninho Cartoon do Jornal de Uberaba.
Coletada na Internet no blog teuberaba
Parcialmente recortada para compatibilizar-se com o título do texto.
Meus agradecimentos ao autor.

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