quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Perfumes da manhã_rimas, verbos e lembranças

Ao escrever um poema, muitas vezes nos deparamos em ter que utilizar rimas consideradas “pobres”, mas que não estão ali apenas para buscar um simples eco de sonoridade. São fundamentais à concordância poética – se posso dizer assim - dos versos. E, por mais que as procuremos em outras categorias, a melhor forma que surge é sempre um verbo no infinitivo. É das rimas, a considerada mais fácil, por isso chamada de “rima pobre”. É o terror dos poetas!
Recorri então aos ensinamentos dos especialistas da estruturação e construção poética para buscar uma forma de apoio, socorro, seja lá o que for. Quis dar uma sustentação técnica sobre algo, às vezes inevitável, e não ficar com a consciência de estar falseando ou sendo preguiçoso (risos).
Encontrei num livro de Bráulio Tavares “Contando histórias em versos”, em que, no capítulo 8, ele aborda essa questão da rima rica e rima pobre, sobre rimar com verbos no infinitivo, de onde destaco o trecho que vem me socorrer:
...Outra rima pobre é a que usa as formas de verbo no infinitivo, terminando em ...ar, ...er, ...ir, ...or. São inevitáveis também, mas devem ser usadas com moderação. Podemos rimar dois verbos, como “andar” e “falar”, mas também podemos rimar esses verbos com substantivos (mar, lar, bar, patamar...) ou com adjetivos (solar, lunar , escolar...). Isso torna a rima um pouco mais rica porque estamos usando categorias diferentes de palavras mais distantes umas das outras. No aspecto puramente técnico ou artesanal da poesia, ganha ponto aquele que envolve uma dificuldade extra e que, quando bem realizado, dá a impressão de algo aparentemente fácil, cuja complexidade não aparece a primeira vista.
O texto que publico hoje no post, “Perfumes da manhã”, inspirado na leitura do poeta Manoel de Barros , talvez seja um – poema-crônico –, categoria em que o coloco, num paralelo com a crônica poética.
Nele, certas estrofes só têm vida quando sustentadas puramente pelo fio dessa categoria de palavra à qual se prende: o verbo no infinitivo. Escrito há algum tempo, sempre volto a ele para revisões.
Como resolver essa questão? Como considerar: coisa de principiante, dificuldade de vocabulário, licença poética, falta de informação teórica?
Sei que ainda caberão muitas revisões na sua escrita, pois um poema, assim como um bom vinho, vai amadurecendo e precisa ser cuidadosamente reposicionado nas prateleiras das caves para agregar as impurezas, a fim de facilitar a sua erradicação.
Considero esse poema em fase de pré-degustação, quando ainda passará pelo repouso nesse decanter, onde espero que sejam eliminados os resquícios indesejáveis, resultantes de sua fermentação. Nesse sentido, aproveito o blog para decantá-lo e, com a participação dos que o lerem, prepará-lo para ser degustado quando de sua completa evolução.

Perfumes da manhã
Jopin Pereira
criação:21/09/2006/10:40

para que o dia desperte,
ouso a manhã perfumar,
nas pegadas da memória,
na esteira dos aromas,
relembrando a minha história,
que a saudade vem contar.

de descobrir que o dia
pode começar com alegria,
sem ter lista de tarefas,
sem fazer nada com pressa;
manter a mente vazia,
e com vagabundagem à beça,
ter o tempo só pra passar.

na hora do dar bom-dia,
sentado à mesa da cozinha,
na esteira do viajar,
na boa conversa vadia
das recordações fugidias,
na indolência do sonhar.

toalha azul axadrezada,
canecas de toda cor,
ágata, louça ou esmaltada
aconchegando o sabor.
pratos de louça lanhados,
e alguns até colados,
que vovó insistia em ter.
o cenário preparado,
pra na hora da comida,
os perfumes receber.

começo a lista dos cheiros
que aromatizaram momentos,
e hoje perfumam lembranças,
no prazeroso reencontro,
de fatos outrora vividos;
alguns plenamente sentidos,
outros despercebidos,
mas nenhum deles perdido,
e jamais fenecerem
esquecidos,
nos arquivos do viver.

lembro do cheiro de jaca,
fruta?... tão esquisita,
com sua casca espinhenta
que até parecia acne,
mas que surpreendia
ao ser aberta.
da doce polpa macilenta,
cor de pérola,
de nácar,
que se comia com as mãos,
estripando todos bagos
e nem precisava de faca!

o aroma do cajá-manga,
cor verde-caramelado,
com suas pintinhas pretas,
caroço um tanto espinhento,
tão gostoso de cheirar;
primo-irmão da carlotinha
uma manga maneirinha,
cabia na boca inteirinha,
e vovó a alertar
pra não engolir o caroço;
– quero uma dúzia, moço!

e a fragrância do eucalipto?
- tronco esbelto e longo -
seus ramos a mesa enfeitando,
cor e cheiro de ar verde,
que nessa estrada viajando,
plantados na beira da vida,
me vejo de novo respirando.

o tempero do “cunsumê”,
assim vovó o chamava,
um caldo “não sei de que”
obrigado a tomar de manhã,
uma “mistureba” maluca,
pra não ter saúde malsã.

e coisas não tão gostosas,
que ativam a memória olfativa:
os "punzinhos" das crianças,
sem cheiro ainda, tadinhas!
e tantos a reclamar,
do irmão-bebezinho,
com seu coco abacatinho,
cheiro e cor, tão nojentinho,
que era pra eu limpar.

mas havia também sacrifício,
que ainda me arrepio
ao lembrar do cheiro do tal:
– óleo de fígado de bacalhau!
naquela sinistra embalagem,
o peixe às costas do homem,
a me olhar com rancor.
a vovó ali sorrindo,
e eu quase chorando:
– hoje não, por favor...
um risco quase fatal,
se recusasse a quimera,
era bolo na mão,
dado com colher de pau.

muitos cheiros diários,
alguns que me fazem acordar,
outros me lembram dormir,
tantos a me excitar,
e muitos, a fome me dar.

do café de manhã coando,
da rapadura ralando,
para a ele adoçar.
pipoca na panela estourando,
manteiga tão amarela,
ovos a cozinhar.
alho no fogo fritando,
cheiro de bolo assando,
o cuscuzeiro pulando,
as bananas cozinhando,
– pão, ali?
... nem pensar!

arroz doce com canela,
canjica com amendoim,
até o guaraná tinha cheiro;
tudo tem,
o tempo inteiro,
basta saber sentir.

ah, esses cheiros vão longe,
melhor é por aqui parar,
pois já ouvi dizer na tevê,
que cheiro pode engordar...

doces perfumes de vida,
com a fome a me despertar,
que a manhã trouxe falando
por memórias adormecidas,
vindo a emoção acordar.

2 comentários:

Nicinha disse...

Olá Jopin!
A lingua Portuguesa é muito rica!
Poesia são palavras que cantam.
Parabéns pela bela poesia.
Abração,
Nicinha

Blog do Jopin disse...

Olá, Nicinha!
Essa riqueza é que nos permite traduzir, em quase imagens, o que sentimos.
Obrigado pelo cumprimento. Divido-o com você, que o leu e percebeu.
Abraço
Jopin