sexta-feira, 17 de julho de 2009

Perdidos e Achados

Na escrita do texto que publico hoje, deparo-me com um drama recorrente a quem escreve: a falta de idéias. Nem tenho certeza se é mesmo a falta; por vezes me sinto perdido é no excesso. O desafio de selecionar uma delas e discorrer sobre o tema, de olho no princípio, meio e fim. Parece aquela coisa do pescar. A dúvida em escolher e acertar a isca adequada. Ficamos ali jogando a linha na água, vendo o vizinho tirar um peixe atrás do outro e você ali, no conhecido “banho na minhoca”. Por momentos, um deserto; por outros, um oceano.
E aí, o que fazer?

Recorro às manifestações de diversos escritores respeitados sobre isso. Valho-me de um poema de Carlos Drummond de Andrade ─ Procura da Poesia ─ que me indica preciosos rumos quando estou perdido. A genialidade do mestre, sempre presente, vem me ensinar que o problema não está na falta de idéias; está em não saber procurá-las, trabalhá-las, acarinhá-las, respeita-las e amá-las. Assim, como a uma verdadeira mulher. Idéia é palavra feminina.

Destaco aqui um trecho, no qual me atrevo, com a devida vênia do mestre, a substituir ─ melhor dizer, interpretar ─ o termo “poemas” como ”textos”, de forma a atender à minha necessidade.

Assim, encontro a isca certa, mesmo que o peixe pescado não seja o que vi nadando. Foi melhor!

Procura da Poesia (excerto)
Carlos Drummond de Andrade

..... Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.

Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.

Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível que lhe deres:
Trouxeste a chave?.....


amor impossível
Jopin Pereira

Penso: “Para quem ama é tão difícil escrever sobre um amor impossível ou mesmo proibido. Talvez a racionalidade não tenha me permitido viajar nessas instâncias da paixão, da fantasia, e deixar que eu amasse alguém ou alguma coisa que não conseguisse obter. Ihhh... Será que tenho algum desvio ou bloqueio psíquico? Será que temo desafios? Acho melhor não caminhar nesse brejo. Posso afundar e nos perdermos, eu e o tema, levando junto o conto. Recrimino-me por ser assim, quando, no momento, tenho que escrever sobre esse tema. Preferiria ter sido educado mais irracionalmente. Creio que ainda há tempo para ser autodidata nisso.”
Assim divagava quando comecei a escrever.

Saio para a caminhada. Ao retornar, ligo para a amiga poeta: – O que você acha de eu escrever sobre uma galinha que se apaixona por um espanador? ─, num tom de brincadeira e ironia. Surpreso, ouço que ela acha boa a idéia. Mas ainda não bate em mim aquela certeza de que devo escrever sobre isso. Ficamos “bestando“ na conversa por telefone, falando sobre minha dificuldade.

E ela, querendo me ajudar, ia desfiando sugestões:
─ Lembra daquela música que fala de um grão de areia que se apaixona? Deixa eu lembrar, ─ enquanto emite uns “lálálálála” incompreensíveis. ─ Ah, lembrei um pedaço. Acho que ele se apaixona por uma estrela, né? Taí, um caso de amor impossível. É isso mesmo. Lembrei. Aí, no final, nasce a estrela do mar...Lindo!

─ Legal! – me empolgo e, rapidamente, me desengano (mais um surto de racionalidade). Mas já está escrita, não é? S eu me basear nela, vai ficar meio que um clone. Não gosto de sugar idéias alheias. E, caindo nessa linha, vou acabar escrevendo sobre a colher de pedreiro que se apaixonou por um saco de cimento e nasceu uma parede e outros “impossíveis” amores.

Mas a idéia não me abandona totalmente. Prossigo: – Taí, como você gosta de bichos, vou escrever sobre amores impossíveis entre eles. Um gato que se apaixona por uma peixinha do aquário.
Alegro-me ao pensar ter encontrado o filão.

Ela corta a minha empolgação, rindo da minha desgraça, ou da peixinha: – Ahahahaha! Aí, o gato quer é comer a peixa, né?
– Mas quem namora quer comer, ora –, brinco e emendo: – Poderia ser um peixe-gato apaixonado por uma gatinha. Um jacaré que se apaixona por uma tartaruga, ama demais, mas na hora da fome o instinto se sobrepõe e a fome vence o amor. Ela me diz que isso não é amor. Penso: “Isso não vai dar certo”.

– O que eu queria mesmo era escrever uma estória entre duas pessoas, uma história viva. Mas tudo que penso já aconteceu ou já foi escrito. Tudo bem, vou pensar sobre amores de bichos e mais tarde decido o que vou escrever. Beijos ─, e desligo o telefone.

Agora à tarde, terminando esse emaranhado de palavras sobre amores complicados (por mim) vejo surpreso, que mesmo não contando uma estória estou escrevendo algo sobre o tema. Conformo-me, mas não fico satisfeito. Será que isso vale? Deixa pra lá.

Busco uma conclusão ou uma justificativa sobre tudo isso: “Creio que gosto mesmo é de escrever poemas, pois os sinto¬. É sentimento vivido que se corporifica nas palavras. Inventar uma estória é algo que ainda me soa falso. Talvez irreal ou algo parecido. Não sei bem caracterizar. Admiro quem escreve ficção, cria personagens, faz e refaz tramas, complôs, amores possíveis, impossíveis, permitidos e proibidos. Será que isso não é fruto da minha falta de conhecimento em como desenvolver a mente para a abstração criativa? Ih...falei difícil. O que serei meu Deus? Um escritor ou um escrevinhador. Ou um cara que busca escrever sobre a dor, um “escrevedor”. Um “ajuntador” de palavras. Vejo-me sendo mais um artífice das letras que ainda está na fase dos mosaicos. Junta pedacinhos de tudo que já viu e monta seu trabalho. Acho que estou é falando um monte de bobagens. Se um literato ler isso. xiiiii! abortou-se a minha carreira de escritor.”

Concluo: “No fundo, o meu amor pela palavra, pela literatura, pela crônica, pelos contos e pelos livros é um amor verdadeiro, fiel e crescente. No entanto, mesmo sendo um assumido apaixonado pela escrita, ás vezes, escrever me parece um ato de amor impossível, como hoje. Cruz credo. Afasta de mim essa idéia. Te esconjuro.”

2 comentários:

Nicinha disse...

Olá amigo!
Tem dias que as palavras escorregam, sai de fininho, da branco, mas logo vem aquele insight,as idéias fluem, será que é por isso que nós mulheres somos tão criativas? Sem falar da nossa imaginação que flui.Me deliciei com as palavras e a história de amor impossivel, acho que todos já passamos por isso. Bem será que o impossivel talvez não torne possivel ao nossos olhos?
Bjs Nicinha

Blog do Jopin disse...

Olá, cara leitora, Nicinha. A mente é uma enorme cumbuca de idéias. O termo que você aplicou – escorregam – cabe perfeitamente para caracterizar o movimento que elas fazem. Escapam sem que percebamos por onde se foram. Mas quando conseguimos retê-las, aí vem o que chamamos de inspiração. Depois é deixar fluir.
Obrigado por ter captado essa sensação de se deliciar com o meu texto. Esse é o melhor prêmio que o escritor pode receber: a interação com o sentimento do seu leitor,
Tenho dúvidas sobre a impossibilidade de qualquer coisa. Diz uma máxima que “ impossível é apenas algo que ainda não foi feito por alguém”. Quando falo do amor impossível, não é uma afirmação, uma convicção, ou uma autoconfissão.
Não expressa apenas um instante; mesmo que às vezes pareça. É, basicamente, uma simbiose de diversos instantes que se parecem. O impossível amor de ontem, poderá ser o inviável amor de hoje ou o possível amor de amanhã. Isso é complicado, mas não é impossível! Basta acreditar na máxima acima. Eu acredito!